A estréia das duas novas coreografias da São Paulo Companhia de Dança (SPCD) — “Gnawa” (2005), de Nacho Duato (1957), e “Ballo” (2009), de Ricardo Scheir (1961) — aconteceram no Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo, nas últimas semanas. Apresentadas separadamente com outros dois trabalhos, — “Serenade”, de George Balanchine, e “Les Noces” (1923), de Bronislava Nijinska (1891-1972) — que já integravam o repertório da companhia, a SPCD mostra em pouco tempo de existência grandes produções, assinadas por importantes nomes da dança.
Na primeira semana foi a vez da estréia de “Gnawa”, de Duato — diretor da Compañía Nacional de Danza, da Espanha. De origem sub-saariana, os gnawa — uma confraria mística muçulmana do norte da África — incorporam cantos às suas práticas espirituais, e Duato adota como base do trabalho, canções dessa comunidade. Os corpos brasileiros são felizes no encontro da técnica de Duato, reforçada pelos movimentos de tronco. Se o trabalho não tem um compromisso político e é basicamente uma homenagem ao povo, como afirma o coreógrafo, deve ser encarada como tal. O elenco afinado traduz bem a mobilidade do coreógrafo e se mostra versátil em meio a tanto idiomas de corpo que a SPCD encara em seu primeiro ano.
A segunda estréia ficou por conta de “Ballo”, de Scheir — professor e ensaiador da companhia — com música espetacular de André Mehmari (1977), inspirada no tema de “Ballo Delle Ingrate” (“Baile das Ingratas”), do compositor italiano Claudio Monteverdi (1567-1643). O jogo de sombras proposto nas cenas iniciais, assim como os diferentes corpos, são um convite à reflexão ao tema principal: a punição das mulheres que não se entregaram ao amor. O contraste de figurinos e perucas chama atenção e se revela forte perante o espectador. Esse lado andrógino da dança, que chega até a desconfigurar figuras imaginadas — como Vênus ou mesmo Plutão — é convidativo. Faz com que se queira mais.
E “Ballo” traz mais. A gramática corporal do trabalho de Scheir é evidente. Ele é feliz quando usa no corpo dos bailarinos o seu próprio repertório de possibilidades, haja visto que Yoshi Suzuki — formado pelo coreógrafo — transita com facilidade pela coreografia. A dramaturgia é boa, pensada e bem encarnada no personagem de corpo forte da argentina Irupé Sarmiento (Ariadne). Mas em meio a uma boa coreografia (que no ano que vem estará melhor), bons figurinos, cenários e luz que dialogam, está a grande diva de “Ballo”: a música. Sem ela, a coreografia perderia todo o brilhantismo.
Formada por 16 pequenos movimentos organizados em três partes, a composição trabalha de forma perfeita o deslocamento de padrões rítmicos e melódicos e reverencia gênios da música como Reich, Bartók, e Shostakovich. Em algumas partes é possível ouvir o cravo mesclado com as cordas barrocas superpostas às modernas, em outras, o cravo e o piano são mediados pelo violino barroco e pela moderna orquestra de cordas. A proposta do músico é estabelecer o diálogo entre o novo e o antigo, e isso é refletido diretamente na coreografia de Scheir, que comprova que o corpo não tem nada de ingrato.
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Também na dobradinha estava “Serenade” (1935). Na remontagem de Ben Huys (1967) — atual ensaiador da The George Balanchine Trust — os corpos sinuosos da primeira versão se derreteram em formas longelíneas. As execuções fora do eixo, as torções de movimento, assim como os grandes saltos foram bem executados. Entretanto, os braços em quinta posição, muito usados no trabalho, requerem ajustes com este elenco. Uns estão muito fechados, outros muito abertos e confundem a figura coreográfica do espectador e conseqüentemente uma das maiores marcas do estilo balanchiano.
Um comentário:
Que foto linda dos bailarinos em que alguns parecem flutuar no ar.Parabéns, Marcelinha!
Abraços Poéticos
Ana Marly de Oliveira Jacobino
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