Marcela Benvegnu
Seria impossível o bailarino russo Mikhail Baryshnikov andar por aí sem ser notado, ainda mais em um evento de dança. Assim que entrou nas coxias do Centreventos Cau Hansen, local que sedia o 25º Festival de Dança de Joinville, em Santa Catarina, para uma coletiva de imprensa, tudo parou. O espaço foi tomado pelo silêncio, carregado de admiração e respeito por um dos maiores mitos – se não o maior – da dança clássica no mundo.
Os flashes se misturavam aos olhares curiosos e à voz trêmula de alguns jornalistas a sua frente, muitos deles despreparados para a ocasião. Além de terem deixado os celulares ligados, fizeram algumas perguntas que não eram apropriadas. Uma delas foi em relação ao exílio de um jogador cubano de handebol dos jogos Pan-americanos no Brasil, comparando com o exílio de Baryshnikov no Canadá, na noite de 29 de junho de 1974, quando dançava no Kirov Ballet. Ele foi taxativo: “Adoraria que um dia essas perguntas não me fossem mais feitas”.
Em 1998 quando dançou no Brasil “Heartbeat: MB”, ao som das batidas do próprio coração, com a White Oak Dance Project, Baryshnikov proporcionou momentos emocionantes ao público. Hoje, nove anos depois, volta ao país com a sua mais recente companhia, a Hell’s Kitchen Dance, com a qual abriu o festival de Joinville na quarta-feira (leia a crítica na página 7), repetindo a dose.Baryshnikov e sua cia. se apresentam no Rio de Janeiro hoje e em São Paulo nos dias 24 e 25. Confira os melhores trechos da entrevista.
Jornal de Piracicaba – A Hell’s Kitchen Dance é uma companhia formada por jovens estudantes da Julliard School e da Tisch School University de Nova York. Como é trabalhar com esses jovens?
Mikhail Baryshnikov – Eles são bailarinos muito talentosos. Não são uma companhia permanente, tudo pode mudar, a qualquer hora. Essa é a nossa segunda turnê, mas também deve ser a última, porque meu maior objetivo com a companhia é projetá-los na cena americana. Quero que eles dancem e vençam a pressão comercial da arte.
JP – O nome da companhia, Hell’s Kitchen (cozinha do inferno) Dance nasceu por causa da localização do Baryshnikov Arts Center em Nova York?
Baryshnikov – Sim. Logo quando Nova York foi fundada, a região era povoada por imigrantes irlandeses que vieram da Europa e era muito turbulenta, daí Hell’s Kitchen. Hoje o local está mudando e muitos artistas estão indo para lá. Costumo dizer que o bairro é a última fronteira de Nova York. O nome também tem relação direta com a dança, porque na arte você encontra o prazer e também o inferno.
JP – A coreografia mais esperada nesta turnê é “Years Later” (2006), um solo seu assinado por Benjamin Millepied com música de Philip Glass e Erick Satie. Como é este trabalho?
Baryshnikov – Apesar do nome, a coreografia não é autobiográfica, ela fala da trajetória de qualquer bailarino. O Olivier Simola, um cineasta muito talentoso que trabalha com o Philippe Decouflé (coreógrafo francês que trabalha a relação da dança, do circo, da música e da dança) criou o vídeo deste trabalho que é muito bonito. Millepied é um grande coreógrafo. Ele é o principal bailarino do New York City Ballet e já assinou trabalhos para a Ópera de Paris, American Ballet Theatre, Balé Nacional de Cuba e outros.
JP – O que você espera que as pessoas entendam deste trabalho? Você consegue ver algo novo na sua dança hoje?
Baryshnikov – Quanto mais eu danço menos eu sei sobre o que é novo. E as pessoas podem pensar e entender o que quiserem, somos bailarinos e não críticos.
JP – Quais seus planos para o futuro?
Baryshnikov – Não costumo fazer muitos planos porque não planejo a minha vida para mais de um ano. Sei que vou dançar em Estocolmo um trabalho do Mats Ek (1945) (diretor do Ballet Cullberg, que dançou na Ópera do Reno em Düsseldorf-Duisburg e no Nederlands Danstheate).
JP – Mas sabe-se que você, um apaixonado por fotografias, está preparando um livro intitulado ‘Merce, My Way’ (‘Merce, do Meu Jeito’) com fotos de Merce Cunningham. Como é esse ‘jeito’, esse modo de olhar a dança sobre o trabalho deste gênio da dança contemporânea?
Baryshnikov – Fotografo há mais de 25 anos. Comecei fotografando bailarinos diversos, como os domenicanos que têm um tipo físico parecido com os brasileiros e cubanos. De uns tempos para cá decidi fazer esse trabalho com Cunningham, que é espetacular. Eu não me interesso pela forma, pela foto estática, o que eu quero captar é de onde vem e para onde vai o movimento. É só ele que me interessa. Cunningham esta aí, vivo. Está com quase 90 anos, não é?JP – Sim, 87 anos.Baryshnikov – Então, você sabe, ele tem uma grande representatividade. Devo fazer uma exposição dessas fotos em fevereiro, em Nova York.
SERVIÇO – Hell’s Kitchen Dance, com Mikhail Baryshnikov. Hoje, às 20h30, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro (pça. Floriano, s/nº). Ingressos custam de R$ 40 a R$ 200. Mais informações (21) 2299-1643. Dias 24/7 e 25/7, às 20h30, no Theatro Municipal de São Paulo (praça Ramos de Azevedo, s/nº). Ingressos custam entre R$ 50 e R$ 220. Informações (11) 3222-8698. Datas, horários e valores foram enviados pela Antares Produções.
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