quinta-feira, 31 de maio de 2007

Red, hot e soul

Marcela Benvegnu / marcela@jpjornal.com.br

Esperadíssimos pelo público brasileiro, o Complexions Contemporary Ballet finalmente se apresentou na última terça e quarta-feira no Theatro Municipal de São Paulo e mesmo com tanta expectativa deixou pontos a desejar. Não que o espetáculo não seja bom, eles são excelentes, têm um tom acrobático em todas as coreografias e o físico dos intérpretes supera o conceito de perfeição. O porém, ficou por conta "de o de sempre", pois Dwight Rhoden e Desmond Richardson — ex-bailarinos do Alvin Ailey e diretores do Complexions fundado em 1994 — não levaram nada de novo ao palco do Municipal.

O espetáculo intitulado "Red, Hot & Soul" ("Vermelho, Quente e Alma"), todo coreografado por Rhoden pôde ser dividido nos três blocos da apresentação. Na primeira parte, "Red" — trecho de "Anthen" ("Hino") — revela o mundo, suas complexidades e a atualidade da política global a partir do hino americano. Em cena todos os bailarinos executam sequências que evidenciam um excelente trabalho de pernas, sincronia e velocidade.

O balé nas pontas com movimentação quadrada, que se alternava com fluxos de movimentos curvos, deixavam claro a influência de Balanchine — um dos grandes nomes da dança americana — no trabalho do coreógrafo, que dançou para o New York City Ballet (NYCB). Vale lembrar que Balanchine também passou pelo NYCB.

O que talvez tenha ficado por compreender, é que como as outras coreografias "Blue" e "White" — também cores da bandeira americana — não foram apresentadas, o entendimento tenha sido dificultado. Em cena uma espécie de "pódium" poderia ter sido mais aproveitada e o tom reflexivo da proposta de Rhoden não condizia com as composições harmonicamente distorcidas de Antônio Scott, Jimi Hendriz, Depeche Mode e Astor Piazolla. Faltou conexão, ou melhor, conceito.

Depois do intervalo pode-se dizer que a parte "hot" apareceu. Em "Gone", "The Cyclical Hour", "Lately", "Frankly" e "Solo" performances mais tocantes, que envolviam (pouca) poesia puderam ser apreciadas. Richardson em seu "Solo" mostra que, além de diretor é um excelente bailarino. Aqueles que quiserem entender que depois dos dois blocos só faltaria o "soul", assim o fazem. "Pretty Gritty Suite" é um tributo à beleza, versatilidade e música de Nina Simone, que mostra um pouco da raiz dos bailarinos — alguns negros — da cultura africana.

Com pandeiros e movimentos de lindyhop e jazzdance muito performáticos, os intérpretes exploram muito bem o palco e chamam atenção pela proximidade da movimentação com a estética do corpo brasileiro. Pode-se dizer que a raiz africana é entendida por todos e é possível que ali esteja o clímax da apresentação; quem sabe o afro não seja mesmo a nossa linguagem universal? A cada dia o corpo prova que é.

(publicada em 1º de junho - crédito da imagem de James_Houston).

Dia do TAP agora é Lei

Marcela Benvegnu

Se hoje nos Estados Unidos, o dia 25 de maio é considerado o Dia Internacional do Sapateado, por conta de seu precursor, Bill “Bojangles” Robinson — que marcou a década de 1930 com sua leveza e clareza de sons — ter nascido neste dia, o Brasil não tem mais do que reclamar. A Lei nº14.347/07 do município de São Paulo acaba de reconhecer o Dia Internacional do Sapateado no Brasil, bem como suas comemorações com destaque para o Sapateia São Paulo.


A iniciativa do projeto de lei foi da sapateadora, coreógrafa e musicista Christiane Matallo e define que a partir de hoje — 25 de maio — a data passe a fazer parte do calendário oficial de eventos de São Paulo. A sapateadora foi atendida pelo vereador Adolfo Quintas (PSDB), que também prevê mais respeito e organização para a comunidade do sapateado no Brasil.


Uma sessão solene, na qual os sapateadores serão homenageados e Christiane receberá o título de cidadã paulistana acontece no dia 29 de agosto — a confirmar — na Câmara Municipal de São Paulo, com a presença de Jason Samuels Smith, um dos maiores sapateadores americanos, além de intérpretes e coreógrafos brasileiros e internacionais.

SÃO PAULO — Para comemorar o Dia Internacional do Sapateado Americano no Brasil, nos dias 2 e 3 de junho acontece o 3º Sapateia São Paulo. Organizado por Christiane Matallo, o evento visa divulgar e popularizar o gênero no Brasil, além de promover um intercâmbio entre as diferentes formas de olhar a dança.

No sábado, dia 2, o pontapé inicial da festa —— que reúne mais de 500 sapateadores, acontece no parque do Ibirapuera —— onde será realizada a Sapateandança e o Tap Show. Lá os sapateadores cantam “Parabéns a Você” ao sapateado, acompanhados da bateria da Escola de Samba Mocidade Alegre e se apresentam em um palco especialmente montado para o evento.No dia seguinte, é vez de praticar e fazer aulas com os mais variados professores do estilo — Christiane Matallo, Ana Paula Venezianni, Ana Raquel dos Santos e Juliana Garcia — na sala da Só Dança (r. Augusta, 2672), em São Paulo.

O valor das quatro aulas é de R$ 80. Não há taxa de inscrição. O interessado deve comprar a camiseta do evento e levar um quilo de alimento não perecível na hora da apresentação, que será doado à entidades carentes. Informações: http://www.christiane-matallo.com.br/ ou (19) 3255-8323. (publicada em 25 de maio)

quarta-feira, 23 de maio de 2007

Piracicabano é destaque no Bolshoi

Marcela Benvegnu
A estréia de “Estilhaços”, uma produção dos formandos do Núcleo de Dança Contemporânea da Escola do Teatro Bolshoi no Brasil (ETBB), está marcada para amanhã, às 20h. Apesar de estar localizada em Joinville, há aproximadamente 700 quilômetros de Piracicaba, a cidade estará bem representada pelo bailarino piracicabano, Endrigo Pablo Martin, 16. O jovem, aluno da escola desde o ano passado, participa da apresentação como intérprete e assina um dos trabalhos da noite.

A obra será apresentada no Laboratório Cênico Agrippina Vaganova — nome de uma das mais importantes bailarinas russas de todos os tempos, que dá nome ao método de Vaganova — e as performances acontecem desde a entrada da escola, passando pelos corredores até chegar ao palco principal. O espetáculo marca a conclusão e exposição das atividades desenvolvidas pelos alunos no decorrer dos quatro anos de aprendizado em novas vivências e técnicas. Martin ainda está no segundo ano do curso de dança contemporânea e participa da apresentação como convidado.

“Como eu tive um bom resultado nestes dois anos de curso, faço uma participação especial nesta apresentação. Danço quatro coreografias, entre estas ‘Incógnito’, que foi coreografada por mim e por Marcio Vinicius”, conta Martin, em entrevista ao Jornal de Piracicaba. A coreografia, que se passa em uma praça, trata da rivalidade entre dois amigos e relata bem o nosso dia-a-dia.”

Toda a produção do espetáculo tem assinatura e participação dos formandos do Núcleo de Dança Contemporânea 4, resultado dos laboratórios de dança-teatro e performance, elementos de circo, composição coreográfica e improvisação, contato improvisação e produção.“Participar desse evento é um privilégio para mim fala Endrigo. A ETBB já é parte de mim, pois com certeza assim que eu sair daqui, tentarei entrar em uma companhia profissional, e pretendo ter um bom resultado, afinal, estou na melhor escola de balé do Brasil.” (publicada em 23 de maio de 2007) - crédito da foto: Nilson Bastian

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Corpo cidadão

Marcela Benvegnu
O mais novo espetáculo do coreógrafo Ivaldo Bertazzo ainda pode ser visto no Teatro Tuca (r. Monte Alegre, s/nº, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), hoje, às 21h, e amanhã e domingo, às 20h, em São Paulo. Intitulado “Anatomia do Desejo”, com participação especial do projeto Cidadança com “Tudo o Que Gira Parece a Felicidade” — coreografia de Bertazzo e Inês Bogéa —, o trabalho é um convite à dança e a tradução literal dos processos evolutivos do homem e como ele é capaz de se adaptar aos mais diferentes meios.
Em 1976, São Paulo viu surgir uma nova linguagem cênica, um grupo de pessoas de várias idades, diversas formações e anatomias das mais variadas, reuniu-se para dançar as coreografias Bertazzo, a partir de movimentos simples de consciência corporal. Nascia, assim, o Cidadão Dançante, uma proposta que buscava fazer do ofício da dança um ato possível a todos.
Em 2007, 31 anos depois, Bertazzo trouxe à tona o projeto com uma nova proposta, resultado de uma reflexão que vem fazendo nos últimos anos, sobre o endurecimento das relações e dificuldade do trânsito social dentro da cidade São Paulo.
Para o coreógrafo a sociedade contemporânea inibe nossa comunicação, impossibilita o contato mais íntimo com o corpo e suas múltiplas potencialidades e o prazer do encontro está desaparecendo no seu ponto de vista. Em cena, 120 bailarinos se cruzam, descruzam, desejam os seus e os corpos dos outros, porém, o que mais se evidencia em cena são os corpos que ali estão idênticos, mas que possuem os mais diferentes biotipos, idades e características. De fato, dança feita para e por todos.

MOVIMENTO — O ponto alto do programa é “Tudo o Que Gira Parece a Felicidade”, resultado do projeto Cidadança da Prefeitura de São Paulo e da Escola do Movimento Ivaldo Bertazzo. Com trilha de Arthur Nestrovski, 100 cidadãos das mais diferentes áreas de risco de São Paulo dançam.
Em cena o reflexo das influências indianas de “Samwaad” e africanas de “Milágrimas”, de Bertazzo, com o trabalho de marcações e quadris, que Inês trouxe do Grupo Corpo, onde dançou por 12 anos. O que chama atenção em cena é que em apenas dez meses de ensaio e aulas não existia diferença entre um grupo de bailarinos e outro, todos eram cidadãos, que entre seus maracatus e suas danças de orixás, revelaram um Brasil moldável, que se adapta ao meio. Coreografia da nossa mais real identidade. (publicada em 17 de maio de 2007)

domingo, 20 de maio de 2007

Inês Bogéa lança "Contos do Balé"


Marcela Benvegnu / marcela@jpjornal.com.br

Nas últimas décadas, o movimento de produção de livros sobre dança aumentou consideravelmente – embora seu acesso ainda não esteja democratizado. Uma das responsáveis por este avanço é a crítica de dança do jornal “Folha de S. Paulo”, Inês Bogéa, que acaba de publicar o livro “Contos do Balé”, no qual apresenta cinco balés de repertório ao público infanto-juvenil.

Inês foi bailarina do Grupo Corpo, de Belo Horizonte, por 12 anos, é autora de “O Livro da Dança”, organizadora de “Kazuo Ohno” e “Espaço e Corpo, Guia de Reeducação do Movimento” e co-autora dos documentários “Movimento Expressivo – Klauss Vianna”, “Renée Gumiel, a Vida na Pele” e “Maria Duschenes – O Espaço do Movimento”. Em entrevista ao Jornal de Piracicaba por conta do lançamento de seu livro, Inês também falou sobre a produção de crítica no país.



Jornal de Piracicaba – Como você vê o movimento da crítica de dança no Brasil hoje?

Inês Bogéa – A dificuldade em se estabelecer uma regularidade nas respostas críticas, seja nos jornais, sites de dança e revistas torna a área frágil, apesar do crescimento do número de pessoas capacitadas para exercer este papel. A importância da resposta crítica para a área é grande, pois nos diálogos entre criadores, críticos e público prolonga-se a existência de uma área tão efêmera quanto a nossa. A crítica procura entender e identificar o que compõe uma obra, questionar nossos hábitos de compreensão e situar nossas interpretações num contexto amplo da cultura.


JP – Por que a maioria das críticas privilegia somente trabalhos de companhias contemporâneas?

Inês – Na minha visão o espaço é escasso para todos os gêneros. A diferença está no grau de profissionalismo com que os espetáculos são apresentados e também no público que cada espetáculo mobiliza. A tendência nos jornais é dar mais espaço para grandes produções nacionais e internacionais. A imprensa responde, de alguma maneira, à produção apresentada, claro que o que é muito visível para a área nem sempre tem tanta visibilidade para os meios de comunicação. Aí a importância de revistas especializadas, colunas e sites que promovam a diversidade das linguagens em cena.]


JP – Você é diretora da Escola do Movimento do Ivaldo Bertazzo, em São Paulo. Como está o Dança Comunidade?

Inês – Depois de 30 anos de estrada, Bertazzo tem a sua primeira companhia fixa, fruto do seu trabalho de formação com os jovens do projeto Dança Comunidade/Sesc. Neste ano, o repertório da Cia. – “Milágrimas” e “Samwaad” – será apurado, vindo de encontro à capacidade técnica dos dançarinos.


JP – Vocês também têm outro projeto, o Cidadança.

Inês – Sim. O projeto prevê dez meses de ensino a 100 adolescentes de 15 a 17 anos, moradores de distritos carentes. Ao longo deste período trabalhamos para que eles conhecessem a nossa realidade, e nós a deles. Os contrapontos da cidade se tornaram mais explícitos e ao mesmo tempo menos brutos e previsíveis. O acolhimento humano em todas as circunstâncias foi impressionante e não pode não ser mencionado, para além de qualquer receio de sentimentalismo, do qual não tem nada.


JP – O Cidadança estréia um espetáculo amanhã. Qual é a temática da montagem?

Inês – “Tudo o que Gira Parece a Felicidade” é idealizado por mim e Bertazzo, com trilha sonora de Arthur Nestrovski. A montagem estréia amanhã no Teatro do Tuca e fica em cartaz até 20 de maio. No palco, se mantêm as individualidades e cresce a possibilidade de cada um ocupar o espaço de forma integrada. O encontro com o público é um espelho que é capaz de dar identificação própria e promover o reconhecimento de um sujeito entre seus semelhantes.


JP – Você acabou de lançar “Contos do Balé”. Como surgiu a idéia de escrever este livro?

Inês – Essas histórias são parte da minha história de bailarina. Um dos meus grandes desejos quando aprendia um novo balé era o de ouvir a sua história. Foi muito difícil escolher somente cinco contos, mas a escolha veio da força e da continuidade dessas histórias por meio do tempo.


JP – Existe a idéia de um próximo livro?

Inês – Estou terminando uma pesquisa sobre o teatro de Dança Galpão – que na década de década de 70 foi um grande momento para a modernização da dança brasileira – e pretendo terminar meu doutorado e publicá-lo, pois conta a trajetória coreográfica de Bertazzo.

domingo, 13 de maio de 2007

O horizonte inquieto de Vladimir Vasiliev


Marcela Benvegnu
marcela@jpjornal.com.br

O russo Vladimir Vasiliev, conhecido como o melhor bailarino do mundo – título concedido pela Academia de Dança de Paris – e bailarino do século pela Unesco, esteve no Brasil esta semana para remontar o balé “Dom Quixote” para os alunos da Escola do Teatro Bolshoi no Brasil (ETBB). Diretor artístico, coreógrafo, ex-primeiro solista do Balé Bolshoi, Vasiliev é um dos patronos-fundadores da ETBB e um dos maiores nomes da dança clássica no mundo.

Poucos ficaram sabendo da vinda do russo ao Brasil. A mídia de Joinville, onde está sediada a escola do Bolshoi, noticiou o fato e o Jornal de Piracicaba foi o único veículo do Estado de São Paulo para quem o bailarino concedeu uma entrevista. A reportagem comemora o primeiro aniversário da coluna Tudo É Dança, publicada às sextas-feiras no caderno Fim de Semana do JP. Confira os melhores trechos.


Jornal de Piracicaba – Não é a primeira vez que o senhor vem ao Brasil para remontar um balé para a ETBB. Quais as suas expectativas para “Dom Quixote”?

Vladimir Vasiliev – A estréia será em Joinville, no dia 8 de dezembro deste ano. Não estou montando o balé todo, apenas uma suíte (pequenas partes do repertório) que inclui as maiores e melhores cenas do balé. Antes de remontar “O Quebra-Nozes” no ano passado, estava claro para mim que deveríamos remontar “Dom Quixote”, que é um balé muito marcante, tanto para os solistas quanto para os modestos artistas do corpo de baile, que têm uma função importante em cena. O balé é clássico, demi-caráter e folclórico e o aluno não precisa somente mostrar a sua técnica, mas o seu talento como artista.


JP – Como é trabalhar com jovens hoje?

Vasiliev – É como trabalhar com primeiros bailarinos. Eles me dão prazer e eu consigo ver o interesse deles nos olhos e em cada movimento que fazem. É a resposta ao que lhes dou. Aqui na escola (ETBB) eu sempre os vejo entusiasmados. Para essa apresentação os alunos e professores precisam trabalhar muito para mostrar sua técnica. Não existe só um solista, mas cada um é importante para que o espetáculo aconteça.


JP – Existe uma diferença entre a linguagem do corpo russo e do brasileiro. Para recebermos a técnica russa – método de Vaganova – temos mais dificuldade?

Vasiliev – Sempre sou questionado sobre as peculiaridades do corpo do bailarino clássico brasileiro, talvez seja só uma diferença, que pessoalmente eu não vejo razão para se preocupar. O único problema que tanto a Rússia e o Brasil ou qualquer outro país do mundo tem, é que o físico do bailarino tem que ser bom e isso inclui uma boa escola. Ele também precisa ter linhas bonitas, alongamento, saltos, delicadeza, musicalidade e expressividade e não vejo porque essas qualidades não possam ser encontradas em qualquer parte do mundo. Dificuldades e imperfeições acompanharão bailarinos de todo o mundo sempre.


JP – Sobre a ETBB, o senhor acha que a maioria dos alunos irá seguir uma carreira profissional?

Vasiliev – A prática e a experiência me mostram que somente uma parte dos bailarinos clássicos se tornam profissionais. Depois da graduação na escola de balé de Moscou, por exemplo, somente alguns alunos são aceitos no Bolshoi; outros vão para pequenas companhias populares, modernas ou de dança contemporânea e outros desistem da profissão. A graduação na ETBB pode ser tornar a pequena base de uma futura companhia de balé. Acho que nem todos se tornarão profissionais, mas tenho certeza de eles serão gratos a vida toda por terem se graduado na escola.


JP – O que o palco significa na sua vida?

Vasiliev – Eu vivi o palco por quase 50 anos, portanto o balé é a minha vida. O palco é sobre mim, é meu espelho.


JP – Quais os seus balés favoritos como intérprete?

Vasiliev – Não tenho favoritos. A única coisa que posso dizer é que cada um me toca de uma forma diferente, seja no drama, na pintura, na música, na coreografia. Somente sua forma mais pura e orgânica é capaz de me tocar e ir fundo no meu coração. Quando gosto de algo, e esse algo me toca, a dança me chama atenção, caso contrário, não entram na minha alma.


JP – O senhor pode mensurar o que significa para os bailarinos no Brasil e no mundo?

Vasiliev – Nunca pensei nisso, mas sempre me lembro da responsabilidade que tenho que passar para as gerações. Estou em débito com os meus professores e outras pessoas que me ensinaram a ser quem sou hoje. Todo o meu conhecimento acumulado hoje é reflexo dos meus melhores antecessores.


JP – Qual a mensagem que você deixa aos bailarinos brasileiros?

Vasiliev – Na parede de entrada da ETBB deixei uma mensagem aos estudantes há sete anos, quando a escola foi inaugurada. Gostaria de deixá-la à todos os bailarinos: “Nunca pare o que você planejou. Trabalhe mais e projete o topo, que sua ascensão será infinita”.

quarta-feira, 9 de maio de 2007

30 Anos de Cisne Negro


Em seus 30 anos de existência, comemorados este ano, a Cisne Negro Cia. de Dança é considerada uma das melhores companhias contemporâneas do país e tem como filosofia a originalidade, a tradição e a preocupação de formar novas platéias. Para comemorar o aniversário da trupe dirigida por Hulda Bittencourt estão programadas no Sesc Pinheiros, nos dias 13, 14 e 15 de abril, uma série de apresentações e o lançamento do livro comemorativo “Cisne Negro: 30 Anos de Dança”, com fotos do brilhante Reginaldo Azevedo, que infelizmente a mídia esquece de citar.O programa traz duas coreografias consagradas, “Fruto da Terra”, de Itzik Galili (Israel) —— que já foi apresentada em Piracicaba há alguns anos —— e Mozartíssimo, um trabalho recente de Gigi Caciulleanu (França). Pena que uma companhia bem brasileira não privilegie nossos coreógrafos em sua festa de 30 anos. Mesmo assim, vale assistir. Os trabalhos do grupo inserem-se dentro do panorama contemporâneo da dança, com coreógrafos inovadores, como Vasco Wellencamp (Portugal), Mark Baldwin (Inglaterra), Ana Maria Mondini, Dany Bittencourt, Denise Namura, Tíndaro Silvano, Mário Nascimento e Rui Moreira (Brasil), Michael Bugdahn (Alemanha) e outros.O livro, patrocinado pela Petrobrás, com pesquisa e texto de Cássia Navas —— “para variar”, mas como preferem não variar... —— e prefácio de Danilo Santos de Miranda (leia-se Sesc), narra a trajetória da companhia, pontuando detalhes fundamentais, como a chegada dos alunos de educação física da Universidade de São Paulo, o Estúdio de Ballet, a primeira viagem internacional, grandes mestres e coreógrafos, talentos nacionais, entre tantos outros momentos que marcaram este período. A Cisne Negro Cia. de Dança já se apresentou nas principais cidades do Brasil e também em diversos países, como Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, Espanha, Uruguai, Argentina, Alemanha, África do Sul, Chile, Cuba e Moçambique, mostrando seu trabalho dentro da dança brasileira.

Os 100 anos do Frevo


Em 2007, o frevo completa 100 anos. Essa contagem é feita, oficialmente, a partir da primeira vez que a palavra frevo — surgida a partir do verbo ferver — apareceu num artigo do “Jornal Pequeno de Recife” (atualmente, “Diário da Manhã”), em 9 de fevereiro de 1907, para nomear um gênero musical. O frevo é uma dança inspirada em um misto de marcha e polca, em compasso binário ou quaternário, dependendo da composição, de ritmo sincopado. É uma das danças mais vivas e brejeiras do folclore brasileiro.Em meados do século 19, em Pernambuco, surgiram as primeiras bandas de músicas marciais, que executavam dobrados, marchas e polcas e também os primeiros clubes de Carnaval de Pernambuco, entre eles o Clube Carnavalesco Misto Vassourinhas (1889) e o C.C.M. Lenhadores (1897), formados por trabalhadores e suas respectivas bandas de música.Os capoeiristas necessitavam de um disfarce para acompanhar as bandas, agora dos clubes, já que eram perseguidos pela polícia. Assim, modificaram seus golpes e originaram tempos depois o passo (a dança do frevo). Eles também trocaram suas antigas armas pelos símbolos dos clubes que, no caso do Vassourinhas e Lenhadores, eram constituídos por pedaços de madeira, uma pequena vassoura ou um pequeno machado, usados como enfeites.A sombrinha teria sido utilizada como arma pelos capoeiristas, à semelhança dos símbolos dos clubes e de outros objetos como a bengala. De início era o guarda-chuva comum, geralmente velho e esfarrapado, hoje estilizado, pequeno para facilitar a dança e colorido para embelezar a coreografia. Atualmente a sombrinha é o ornamento que mais caracteriza o passista e é um dos principais símbolos do Carnaval pernambucano.

REPRESENTANTE - O maior representante do estilo no país é o músico instrumentista Antônio Nóbrega (1952). Violinista desde criança, no final dos anos 60 participava da Orquestra de Câmara da Paraíba e da Orquestra Sinfônica do Recife. Quando convidado por Ariano Suassuna passou a integrar, como instrumentista e compositor, o Quinteto Armorial — o mais importante grupo a criar uma música de câmara erudita brasileira de raízes populares. Nóbrega acaba de lançar um CD em homenagem aos 100 anos do frevo, “9 de Frevereiro”. No repertório, frevos-canção e frevos instrumentais de autores hoje quase esquecidos, como os Irmãos Valença, Capiba e Nelson Ferreira. Mais informações: http://www.antonionobrega.com.br/.

Dança Previsível


Se você ainda não assistiu “Ela Dança, Eu Danço”, assista. Não pela história, que é totalmente previsível, mas pelas coreografias assinadas por Anne Fletcher, que também dirige o longa. Apesar dos clichês coreográficos como sequências de pernas altas, giros triplos e muitas pegadas — que o telespectador adora — o interessante é ver a dança híbrida americana, em uma concepção que mescla hip hop (Em Los Angeles, quem não dança hip hop?), dança contemporânea e jazz dance. O balé ficou de fora, as pontas só aparecem nas aulas dentro da escola de artes.Anne tem uma excelente visão da dança americana como forma de entretenimento, ainda mais por trabalhar em Los Angeles, a casa dos artistas hollywoodianos. Para tal composição coreográfica é necessário apresentar quem nunca aparece, mesmo em uma grande apresentação (muito menos em um filme) que são os assistentes de coreografia. Em “Ela Dança, Eu Danço”, esses importantes parceiros são Zach Woodlee, Jamal Sims e Rosero McCoy.A história é café com leite. Após depredar um colégio, Tyler Gage (Channing Tatum) é enviado para fazer serviços comunitários no mesmo local: uma escola de artes. Lá, conhece Nora Clark (Jenna Dewan), uma bela aluna de dança moderna (que de moderna não tem nada) que urgentemente precisa de um novo parceiro para se apresentar no festival da primavera e quem sabe conseguir entrar em uma grande companhia de dança americana. Acostumado às danças de rua, ele reluta, mas cede à disciplina à medida que supera seus limites e conhece o amor. Ah, claro que ela consegue o emprego e ele se apaixona por dança e entra para a escola de artes. Nada mais previsível. Mas, tudo tem seu lado bom. Ainda bem que o Brasil está recebendo filmes que falam de dança, este ano “Vem Dançar” e “Happy Feet”, foram os destaques da lista. ¤COREOGRAFIA — O ponto mais alto do longa fica fora das telas. Os produtores e patrocinadores — a Só Dança é uma delas — incentivam a produção de uma coreografia com o tema de “Ela Dança, Eu Danço”, a canção “Step Up”. O site oficial do filme (eladancaeudanco.com.br), possui a ficha de inscrição e regulamento do concurso de coreográfico. As inscrições serão aceitas até o dia 8 de janeiro de 2007 e o casal e o coreógrafo vencedor serão premiados com uma viagem de uma semana para Los Angeles. Talvez essa seja uma grande forma de incentivar mais a nossa produção, pena que os grupos não possam se inscrever.

O Espaço de Duschenes



O recém-lançado documentário “Maria Duschenes — O Espaço do Movimento”, de 17 minutos, dirigido pela crítica de dança do jornal “Folha de S.Paulo”, Inês Bogéa, e por Sérgio Roizenblit, revela um pouco da personalidade de Maria Duschenes, que nasceu em Budapeste, na Hungria, no dia 26 de agosto de 1922, mas foi a mais brasileira das bailarinas de dança moderna. Duschenes introduziu no Brasil os métodos do músico suíço Emile Jaques Dalcroze (1865-1950) e do alemão Rudolf Laban (1879-1958) para afirmar uma técnica que coloca a dança à disposição de todos.O documentário é na verdade uma coreografia permeada por vozes em movimento dos alunos de Dona Maria — como ela carinhosamente é chamada —, que no vídeo aparecem dançando como estão hoje. Como diz a diretora, “quem dançou um dia não pára de dançar jamais”. Dona Maria partilhava, com seus mestres, do conceito de que a dança não deveria ser propriamente um trabalho em busca de perfeição, mas sim uma interrogação do espaço, de sua estrutura e suas possibilidades. Relutava, assim, em produzir uma formalização marcada dos gestos, mais interessada nas diferenças e identidades que podem surgir de cada um. A trilha sonora especialmente composta pelo pianista André Mehamari embala a vida difícil de Dona Maria, que mesmo sendo acometida pela poliomielite aos 22 anos, usando os conceitos de Laban — que analisa os componentes rítmicos e espaciais e a ação da gravidade sobre o movimento, e observa que o mesmo movimento pode ser efetuado segundo qualidades diferentes ligadas ao espaço — e a ajuda de Ruth Metzner, professora de ginástica corretiva, voltou a dançar. Algumas de suas coreografias que marcaram época, como “O Sacro e o Profano: Muitas são as Faces do Homem” (1965) e “Mixed Media” (1971), que inova a relação entre dança e artes plásticas, podem ser vistas no vídeo, que recebeu o prêmio Funarte Klauss Vianna de Dança em 2006. De 1992 para cá, Dona Maria vem sofrendo do mal de Alzheimer. Pouco a pouco seu universo de contatos vem se suspendendo, o que a levou para um tempo fora do tempo — ou fora do nosso tempo —, regido numa outra ordem, alheia as nossas paixões, nossos relógios e que mesmo assim não pára de dançar.


Broadway: Circuito de Produção


A dança negra apareceu na Broadway por meio de apresentações esporádicas em 1883, mas só depois da estréia da primeira ópera folclórica “Porgy and Bess”, escrita por George Gershwin e estreada em 1935, que ela passou a conquistar os nova-iorquinos e teve lugar ao lado dos brancos no circuito Broadway. Isto não quer dizer que os brancos se desinteressaram por uma música dos negros do sul, ao contrário, foram muitos os artistas que ficaram interessados em criar uma certa plasticidade e um certo suingue das possibilidades coreográficas que apontavam as características do jazz dance. A comédia musical para a televisão nasceu ao mesmo tempo, que o cinema deixou de ser mudo — o primeiro filme sonoro da história foi “The Jazz Singer” (1927) — e sua aceitação foi tão grande que fez com que a indústria cinematográfica recuperasse atores, bailarinos, músicos, cenógrafos e coreógrafos, que estavam atuando nos teatros. O fenômeno mais importante desta época, foi a influência direta do jazz tanto no que se refere a música e no que se refere a dança nos ambientes teatrais e musicais de Nova York. O jazz dance deu a dança americana novas perspectivas coreográficas dentro das quais não se pode esquecer que sofreu influências da dança clássica. Durante os anos vinte, a Broadway se beneficiou muito desse avanço da qualidade técnica dos intérpretes e muitos coreógrafos que estavam acostumados a criar trabalhos na linha clássica passaram a realizar musicais como Jack Cole, Jerome Robbins, George Balanchine e Bob Fosse. Bailarinos como Fred Astaire, Cyd Charisse, Mikhail Barishnikov, Leslie Carol, Bill “Bojangles” Robinson e outros convertiam o sapateado das ruas em um espetáculo elegante e de grande êxito popular.A verdadeira época de ouro da Broadway se deu depois dos anos 40, com coreografias de Jack Cole — aluno de Ruth St.Denis — e foi responsável pela fusão do jazz com outros tipos de rituais e Agnes de Mille, que coreografou “Rodeo” (1942) e “Oklahoma!” (1943). Em 1945 Michael Kidd coreografou “On Stage!”, depois surgiu Jerome Robbins que foi sem dúvida a revelação da comédia musical nos Estados Unidos com “West Side Story” (1957), seu grande marco na história do jazz dance.Porém, na verdade quem revolucionou as coreografias modernas e a comédia musical a partir de 1960, num período onde não parecia haver mais invenções foi Bob Fosse, criador de “Cabaret” (1972), “All That Jazz” (1979), e “Chicago”, tanto que até hoje esses trabalhos são remontados, e tudo, nasceu em um mesmo cenário, a Broadway, que sem dúvida até hoje, é a mais importante produtora de musicais do mundo.

Mano Tap


Aqueles que ainda não foram assistir ao filme “Happy Feet — O Pingüim” não imaginam o que estão perdendo. Além da coreografia de Mano ser assinada por Savion Glover — o mesmo que coreografou Bring in ‘Da Noise, Bring in ‘Da Funk, e atuou em “Black and Blue” e “Jelly’s Last Jam”, com Gregory Hines — e Kelley Abbey, a mensagem que o filme de George Miller mostra, vai além do tap.Mano é um pingüim que nasceu diferente dos demais de sua espécie, nasceu sapateando. Sua vida se resume basicamente em uma coisa: ter uma canção do coração. A partir dela ele conquistará o amor de uma fêmea. Apaixonado por Glória — a melhor cantora do pedaço — mas sem ter como conquistá-la, Mano se afasta de seu bando, porém, não desiste de viver entre os seus e mostra que a dança, ou melhor, o sapateado pode mover montanhas. A vida dos pingüins é extraordinária, cheia de alegorias em termos de como nos conduzir como seres humanos. A maneira como eles sobrevivem nos confins do planeta, abraçando-se para fugir do frio, dividindo o calor, cantando para encontrar um parceiro é uma lição de vida para os individualistas. Pode-se dizer que Mano é um sobrevivente, da arte, da dança, da vida. Falar de sapateado nas telonas é um grande avanço, pois desde a overdose de Fred Astaire e Sirley Temple, que não se falava tanto — e tão bem — sobre o gênero. Pontuando os ápices do filme, a trilha sonora merece destaque e vai do rap às canções estilo broadway. Coreograficamente não se tem muito a dizer, Glover é mesmo um ótimo sapateador. A limpeza sonora das cenas também é excelente, visto que não adianta ele ser um exímio tapper, sem uma boa direção ou sonoplastia.A reflexão é que parece que todos os bailarinos são um pouco como Mano, lutam a cada dia em uma sociedade na qual você tem que ser igual aos outros para ser aceito. O diferente sofre, não consegue encontrar espaço para mostrar o seu trabalho — na maioria da vezes melhor do que se imagina — e por mais que ele tente, tente e tente é difícil lutar contra a maré. “Happy Feet” não é um filme sobre dança ou sapateado. É um trabalho sobre superação, esta que os bailarinos lutam a todo instante

Movimento e Comunicação


A relação entre o corpo e a máquina sempre foi muito estudada pelos especialistas em dança, que às incorporam em seus processos de criação como uma nova forma de movimento e comunicação. Ivani Santana e seu “Corpo Aberto” e Christiane Matallo e seu “AtoContato” são exemplos do cenário nacional. Amanhã, das 15h às 19h, no Itaú Cultural, em São Paulo, os interessados em saber um pouco mais sobre este assunto poderão assistir (e participar) da oficina-palestra “Circuito Aberto: Corpo e Mídia”, com Maíra Spanghero e Lali Krotoszynski. O evento integra a última programação da mostra Emoção Art.ficial 3.0 — Interface Cibernética, do Itaú Cultural.Direcionado a bailarinos, videomakers, pesquisadores e interessados no estudo do corpo e suas relações com a mídia, o encontro — que deve discutir de que formas o corpo e a máquina podem ser parceiros no processo de criação artística — será dividido em dois momentos, envolvendo questões teóricas e práticas sobre o assunto.A pesquisadora Maíra Spanghero abre o encontro com um panorama histórico-evolutivo da relação entre dança e mídias como luz, fotografia, cinema, vídeo, computador e internet. Maíra, que é doutora em comunicação e semiótica e professora de comunicação em multimeios e tecnologia da PUC-SP, é autora do livro “A Dança dos Encéfalos Acesos”, publicado pelo Itaú Cultural em 2003, no qual aborda essa temática sob o prisma da Cia Cena 11 de Dança (leia-se Alehandro Ahamed), de Florianópolis.A segunda parte do Circuito Aberto será uma atividade prática da utilização do software Bodyweave 2.0, desenvolvido pela coreógrafa Lali Krotoszynski, exemplificando de que forma o corpo e a máquina podem ser parceiros. O aplicativo vem sendo desenvolvido desde 1999 e, segundo a autora, proporciona a criação de pequenas peças audiovisuais, relacionando o princípio do cinema, os processos de composição coreográfica e musical e a utilização de bancos de dados.


Oficina-palestra “Circuito Aberto: Corpo e Mídia”, amanhã, das 15h às 19h. Com Maíra Spanghero e Lali Krotoszynski. No Itaú Cultural (av. Paulista, 149), em São Paulo. Entrada gratuita. Mais informações (11) 2168-1776.

Voa Renée (1913-2006)


“Danço na minha idade, porque a dança e o teatro são a essência da minha vida. Consegui vencer meus dissabores — vida e morte, morte e vida: meu desejo do corpo, da alma e do cérebro me leva à mudança, me dá humildade e descubro o princípio da sabedoria. É o desejo que determina o movimento e as imagens”. A frase é da bailarina Renée Gumiel em seu discurso de comemoração de seu aniversário de 90 anos, organizado pela crítica de dança Inês Bogéa, no Sesc Vila Mariana em São Paulo, em 2003. Desde domingo passado, às 23h30, Renée não dança mais no nosso plano. A vida foi vencida por uma broncopneumonia no Hospital Santa Cruz, em São Paulo e a classe artística perdeu uma das maiores representantes da dança moderna. Sua imagem — ou melhor, o seu desejo que determinava o movimento — era forte; unhas pintadas, batom vermelho e cigarro entre os dedos, sem esses “adereços”, a bailarina nascida em 1913, na cidade francesa de Saint-Claude e radicada no Brasil desde a década de 50, não era ela mesma.Se orgulhava em contar suas histórias — muitas delas gravadas no documentário “Renée Gumiel — A Vida na Pele”, dos diretores Inês Bogéa e Sérgio Roizenblit produzido pela TV Cultura — afinal, participou da efervescência da vida cultural em Paris antes da 2ª Guerra Mundial e conviveu com personalidades históricas como Igor Stravinski (1882-1971) e Jean Cocteau (1889-1963). Foi aluna de Kurt Joss (1901-1979) e Rudolf Laban (1879-1958) e chegou a dançar com Harald Kreutzberg (1902-1968).Era valente, resistiu a três cânceres. “Através da arte, consigo viver como uma árvore, cujas folhas caem no inverno mas crescem de novo na primavera. Vivo sempre me reconstruindo”, dizia a bailarina que ainda trabalhava nos espetáculos do diretor José Celso Martinez Corrêa e também dava aulas (concorridas, por sinal). Coreografou trabalhos marcantes, como “Stabat Mater” (1957), “Huis Clos” (1963), “Amargamassa” (1978), “Uma Lágrima Quer Nascer para Unir-se ao Mundo” (1986), “A Memória Gruda na Pele” (1993) e atuou como atriz e bailarina em “O Trem Fantasma” (1979), “As Galinhas” (1980), “O Eterno Regresso” (1980), Cacilda (1998) e outros.Mesmo longe, deixa um recado eterno ao bailarinos: “Vida, morte, renascer; luz e sombra. Somos um corpo, somos alguém — eu sou alguém autêntico. Busquem a natureza: sejam vocês mesmos”.

Isadorable

Talvez os bailarinos não imaginem que Dora Angela Duncanon (São Francisco, 27 de maio de 1877 — Nice, 14 de setembro de 1927) seja Isadora Duncan, a revolucionária bailarina que criou o balé moderno e rompeu com os padrões e escolas da dança clássica. Em “Isadora — Uma Vida Sensacional”, livro de Peter Kurth, lançado no ano passado pela Editora Globo, escreveu “Eu sou inimiga do balé, o qual considero arte falsa e absurda, que de fato está fora de todo o âmbito da arte. Isto por não ser de maneira alguma natural, exigindo um esqueleto deformado e movimentos estéreis, cujo propósito é causar a ilusão de que a lei da gravidade não existe”.Isadora começou a dançar ainda criança e foram três as fontes de sua busca pela origem da dança: a natureza, a Grécia Antiga e si mesma. Acabou encontrando no plexo solar, fonte e origem de todo o movimento, algo muito diferente do que ensinavam as academias de balé da época. Em Londres, em 1900, encontrou um grupo de artistas e críticos — onde faziam parte o pintor Charles Halle e o crítico musical John Fuller-Maitland — que a iniciou na arte grega, no renascimento italiano e nas grandes sinfonias. Durante este período, usou a música de Chopin e Beethoven como inspiração. Isadora representou uma verdadeira revolução não só da dança, mas também dos costumes — as mulheres da época eram literalmente amarradas em diversas camadas de roupas — se libertou das sapatilhas e dançou descalça com longos vestidos soltos e lenços das mãos. Isadora era, para sua sociedade, a própria imagem da liberdade. Em ‘A Dança do Futuro’, discurso que fez em 1903, em Berlim, argumentou que a dança deveria ser parecida com a dança da Grécia Antiga, livre e natural, onde o bailarino deveria explorar os movimentos naturais do corpo humano e compará-lo com outras artes, inclusive a filosofia. Em 1904, inaugurou sua primeira escola de dança, em Berlim. Lá, começou a desenvolver suas teorias de ensino da dança e foi quando formou seu famoso grupo, conhecido, mais tarde como Isadorables. Contagiou o mundo e nos anos seguintes, inaugurou escolas na Alemanha, França e Rússia.Morreu tragicamente de acidente de automóvel — seu lenço ficou preso nas rodas de um carro — em Paris. Deixou um significado para a arte da dança, que ninguém mais representou, tanto que a dança moderna acabou. Onde se vê Isadora hoje? Não, moderno não é contemporâneo, muito menos estilo livre e passa longe, bem longe de dança-teatro.

Vá Dançar


O nome correto para o novo longa-metragem de Dianne Houston estrealado por Antonio Banderas (talvez ele até tenha saído de cartaz) deveria ser “Vá Dançar”, ao invés de “Vem Dançar”, pois a história real de Pierre Dulaine, interpretado por Bandeiras, vai além da própria luta do bailarino para que uma sociedade formada pelos menos favorecidos de Nova York — capital da dança de salão no mundo — aceite a dança como forma de educação. Na verdade “Vem Dançar” prova que é possível acreditar na arte, mesmo que poucos dêem atenção à ela.Dulaine é um dançarino de salão profissional, que se torna voluntário para dar aulas de dança em uma escola pública de Nova York para alunos que estão em detenção, ou por mau comportamento ou por terem tirado notas baixas. Nesses momentos, após o término das aulas, eles ficam sozinhos em uma sala localizada no subterrâneo da escola ouvindo músicas de hip hop. Quando Dulaine aparece e apresenta seus métodos clássicos enfrenta muita resistência, a história só muda de figura quando eles descobrem que em um concurso de dança podem ganhar cinco mil dólares. É aí que começa o desafio da auto-superação, característica que acontece a cada minuto com todos os que “dançam”.O longa — de trilha sonora familiar como “I’ve Got the Rhythm” e “Fascination” — apresenta um sub-texto que ainda é real na vida cotidiana americana, a super valorização do capital. Tudo fica diferente quando os alunos, embora que tocados pela magia do ritmo, começam pensar no que fazer com o dinheiro do campeonato. Do confronto do hip hop com a erudição de George Gershwin nasce um novo estilo de dança, mesclado desses gêneros e tendo Dulaine como mentor. As coreografias — interpretadas por atrizes e bailarinos de musicais da Broadway e Los Angeles — são de extremo bom gosto. Capazes de mostrar o vigor da dança de salão sem a imagem da vulgaridade ou da mesmice de dançar “colado”, que muitas pessoas tem no Brasil, revelam um filme e consequentemente uma dança que preza pela valorização do intérprete com sequências criativas e sobretudo contínuas.Antes marginalizados por não estarem no “padrão” da escola, a turma se torna exemplo, pois mostra que o milagre da dança é possível e que se pôde educar por meio da arte dos movimentos. Os pais e diretores da escola aprovam a idéia e se interessaram em fazer aulas. Assim podem sentir que a vida de fato se transforma, mesmo para aqueles que não querem se tornar profissionais. O curso de Dulaine, antes não valorizado pela escola pública americana é hoje “matéria obrigatória” espalhada pelos quatro cantos da América do Norte. Como diz o slogan do filme, “Entre no ritmo. Sinta a batida. Siga o seu coração”, vá dançar.

O Butoh de Kazuo

Quando se ouve falar em Butoh, — etimologicamente “bu” significa dança e “toh”, passo, que juntos dão o sentido de passo de dança — a primeira imagem que vem à cabeça de muitas pessoas é a de Kazuo Ohno (1906-), o “homem” — porque sua figura na maioria das vezes é traduzida como alma — que disseminou esse tipo de manifestação artística. Para muitos, o butoh não é uma dança, mas uma encenação teatral, pois sua forma mistura elementos do teatro tradicional japonês e da mímica.Para Kazuo, cada dançarino tem seu próprio butoh. É uma dança da expressão interior de cada um, por isso é singular em cada pessoa. Para ele, o butoh é simplesmente a apreciação da vida, individual e alheia. Kazuo teve influência direta do balé clássico de Isadora Duncan (1878-1910), que tirou as sapatilhas e começou a dançar livremente em sua forma de movimentação. Também rompeu com as formas do balé de Mary Wigman (1886-1973), que pertenceu à dança de vanguarda alemã dos anos 30 e transformou tudo em uma dança que nasce do interior, na intimidade de cada um.A melhor maneira de descrever o butoh é dizer que ele quebra as regras preestabelecidas da dança tradicional e que proporciona uma grande possibilidade para a improvisação. Na dança, os corpos são pintados de branco, os movimentos são lentos, ou melhor, quase imperceptíveis, e a postura é contorcida. O estilo mescla imagens que vão da decadência, do medo e do desespero ao erotismo, êxtase e tranqüilidade. Há estudiosos que dizem que o o butoh conecta consciência com inconsciente, no qual o movimento não é ditado pelo que está fora, mas aparece na interação entre exterior e interior do mundo. Sua essência baseia-se no mecanismo em que os dançarinos deixam de ser eles mesmos e tornam-se outra pessoa ou coisa. Esta é uma concepção diferente da dança convencional em que o corpo do dançarino expressa uma emoção ou idéia abstrata. No butoh, começa-se pela imitação, mas esse não é o objetivo final.¤PARA SABER — Aqui em Piracicaba não existe uma escola oficial de butoh, mas no dia 18 de abril, a professora Erika Teodoro estará fazendo uma performance no espaço Delphas, às 19h. No Brasil, existem diversos pesquisadores dessa forma de movimentação. Umas delas é a professora Christine Greiner da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo, que escreveu o livro “Butô — Pensamento em Evolução”, em parceria com Raquel Zuanon. (Jornal de Piracicaba - Marcela Benvegnu - abril 2006)

Thank you, Dance!

by Judy Smith "